“Pulando
carniça” Cândido Portinari
Elas [as crianças] possuem um vigor jovem para gastar,
músculos que necessitam funcionar, garras que querem brincar, porque tudo isso
está em sua natureza, como dormir, comer... e o adulto pergunta ingenuamente
que força é esta que impele a criança a brincar obstinadamente em vez de
repousar. (Freinet 1998, p 207)
Temos visto como a brincadeira é um trabalho pedagógico que tem um
papel específico no desenvolvimento e na aprendizagem das crianças. Nesse
texto, farei um relato de brincadeiras espontâneas realizadas no parque da
escola Curumim de Campinas, observadas nos anos em que trabalhei nessa escola, que adota uma pedagogia baseada no pedagogo Célestin Freinet.
Nascido
em 15 de outubro de 1896, no sul da França, Freinet fez da escola o local para as
crianças terem contato com a natureza, indo contra os modelos franceses de
educação que faziam da escola uma “prisão”. Ele tinha como prática anotar o que
os seus alunos falavam, seus comportamentos, o que conquistavam, o que ainda
precisavam conquistar e foi descobrindo o interesse das crianças, a
personalidade de cada uma delas. Leu Rousseau, Rabelais, Montaigne, Pestalozzi.
Em 1930, Fréinet adaptou a escola ao contexto urbano e criou a escola de Vence,
uma escola a favor da vida, da natureza, da consciência política, de uma
sociedade mais justa, contra a escola tradicional –em que estes princípios
estavam deixados de lado. Freinet criou várias técnicas de trabalho respeitando
as crianças em suas necessidades vitais que para ele eram: a necessidade de
criar de todo ser humano, de se expressar, de se comunicar, de viver em grupos,
de ter sucesso, de agir – descobrir, de se organizar. Segundo Freinet (1998), a
atividade manual e a intelectual estão entrelaçadas. A criança deve ser a
artesã de sua própria educação, capaz de decidir, pensar, criticar, reavaliar o
seu próprio trabalho.
Sem cuidar muito da
psicologia da criança e movido sobretudo pelas preocupações socias, mas guardando a devida distância
frente às doutrinas que põem mais em evidência a transmissão pelo mestre, de
que falamos acima, Fréinet interessou-se mais em fazer da escola um centro de
atividades permanecendo em comunicação com as da comunidade ambiente. (PIAGET 1985).
Por tais
motivos escolhi fazer minhas observações na escola Curumim de Campinas, com crianças
das turmas de educação infantil, ( 3 a 6 anos). A Curumim é uma escola da rede
particular que atende crianças de classe média, alternativa aos modelos
tradicionais, que surgiu na década de 70, com um projeto de educação
democrático baseada em Célestin Freinet: uma visão de vida, de criança, de
adulto, de ensino, que é discutida e estudada entre todos os participantes da
escola (direção, professores, funcionários, pais e alunos). O principal
objetivo da escola é a formação para a cidadania, através de práticas de trabalho
que levam à autonomia do aluno, à livre expressão, ao espírito crítico, à
cooperação, à solidariedade, às praticas de partilha, respeito, reflexão. Além disso, é prática comum entre os
professores o registro de atividades diárias.
Passarei ao
relato dessas atividades, registradas enquanto as crianças brincavam no parque,
para mostrar a importância da brincadeira a partir das falas das crianças.
Eu sou a mamãe! Eu vou buscar na escola El. (3 anos e 5
meses) está sentada num balanço feito de três pneus imitando um carro
Ehhhhhhhhh!!!!!! A mamãe chegou! Filhinhas, Ia. (3 anos e 6 meses) e Cyn. (3 anos e
10 meses), saem do tanque de areia gritando.
Oi filhinhas, a mamãe chegou! Agora a gente
vai para casa. Entra no carro! Aqui nessa escola as mamães não pode ficar só as
crianças. Eu não falei que a mamãe ia voltar. A mamãe vai e volta para buscar
as filhinhas. El.
As três sobem no
balanço e fingem estar voltando para casa.
Nas
brincadeiras das crianças podemos ver como essas se desenvolvem, porque o brincar
deve fazer parte do trabalho com os pequenos e como brincar é uma atividade que
também se aprende. Fréinet vai mais além
dizendo que a brincadeira é também um trabalho sério realizado pelas crianças:
... temos a
explicação muito simples da seriedade com que as crianças brincam. Dizemos: “Esses jogos não têm objetivo”. Eles têm
o mesmo objetivo, porém subconsciente, do trabalho. O filhote de gato que
brinca com uma folha ruidosa faz os mesmos gestos necessários com a mesma
seriedade e aplicação que os faria se a folha fosse um camundongo de verdade. A
criança também executa seus gestos com a mesma seriedade que aplicaria num
trabalho que atendesse às suas necessidades, mas ela não tem consciência desse
parentesco... Trata-se de uma espécie de segunda vida que se desenvolve na área
da imaginação e do sonho, mas cujas possíveis relações com a atividade
consciente e a utilidade social, nós assinalamos... vê-se que estão
inteiramente absorvidas em seu trabalho, num mundo à parte. (FREINET, 1998, p. 209).
Fontana
(1997) ao falar das contribuições de Vygotsky sobre esse papel da brincadeira
completa a idéia acima dizendo que nas brincadeiras, as crianças fazem coisas
que estão muito além daquilo que elas conseguem realizar no seu cotidiano. Ao
vermos as crianças brincando, ao assumirem determinados papeis, elas conseguem
cumprir regras, como escovar os dentes, tomar banho, que na vida real não
cumprem.
Quem conhece as
crianças dessa idade sabe que é preciso estar constantemente lhe dizendo o que
fazer. É preciso sempre chamá-las para tomar banho, lembrá-las de escovar os
dentes... Ela ainda não decide antecipadamente o que vai fazer e só submete o
seu comportamento a regras impostas obedecendo a uma autoridade exterior. (FONTANA,
1997, p. 129)
Por
exemplo: “El”, ao assumir o papel de mãe no primeiro episódio anteriormente
relatado, repetiu o discurso da professora dizendo que naquela escola só ficam
as crianças e que as mães iam apenas levá-las e buscá-las. “El” é uma das
crianças que mais chorou no período de adaptação e que naquele momento, ainda
fazia um “charme” quando a mãe ia entregá-la na escola, dizendo que gostaria
que a mãe ficasse mais um pouquinho na sala. “El”, através da brincadeira, está
expressando algo que ainda está sendo conquistado por ela. Ela consegue dizer claramente o que às vezes
não quer ouvir de um adulto: que sua mãe não pode ficar com ela na escola. “Assim, o atributo essencial do
brinquedo é que uma regra torna-se desejo.” (VYGOTSKY, 1991, p. 113)
É
um desejo de conquista de algo que é próximo, mas ainda não atingido por eles.
Para
Vygotsky, nas brincadeiras as crianças conseguem controlar suas ações
impulsivas e submetê-las as regras que muitas vezes não cumpre na vida real.
Como resultado, vão tornando-se consciente desse controle e é nessa consciência
da conquista que reside todo o prazer da brincadeira e não na brincadeira em
si, como propõe Freud.
Nas brincadeiras podemos perceber como as
crianças enxergam o mundo, como elas se posicionam com relação ao outro e
assumem papeis que ainda não podem assumir: mãe, pai, trabalhador... Vemos como
as crianças começam a elaborar, ou como aparecem as primeiras noções de tempo -
“porque agora ela é a mamãe. Tem um bebê na barriga dela e depois ela vai ter
um bebê” e espaço – “ não passa aí, que é a parede da casa!!! ‘Ó a porta!”(casa
grande, desenhada pelas crianças no chão com giz de lousa) e as noções de
mundo - “ eu sou irmão dela e o meu
bebê é primo do bebê dela”.
Neste último caso, por exemplo, apareceu o conhecimento das relações de
parentesco, que na brincadeira, acabou sendo socializado para os outros membros
do grupo.
Eu sou a professora. AN , vem trocar de roupa!
El. senta numa cadeira, pega a mochila do An. e fica esperando. Abre a mochila,
finge que pegou um a blusa.
Você molhou a sua blusa
AN., tem que trocar! finge trocar o AN..
Agora vem a AL. trocar. Vem AL., eu estou te esperando!
Nesse
episódio, por exemplo, Al finge ser a professora chamando as crianças para
trocar de roupa. É parte do plano de trabalho da escola com as crianças o
cuidado com o bem estar físico delas. É tão importante quanto o trabalho com os
“conteúdos”, ter o cuidado cotidiano com a criança de não deixá-la molhada, de
ensiná-la a fazer uso do banheiro, limpar-se, lavar as mãos depois do parque, antes
do lanche, após usar o banheiro..., escovar os dentes, ensiná-los também a se
trocarem sozinhos num jogo de eu começo e você continua a por sua roupa, pois
essas são especificidades e necessidades dessa faixa etária. É tão importante e
presente no nosso dia a dia, que é um trabalho visualizado por Al., quando é a
vez dela ser a professora.
Esse
episódio demonstra como as crianças, através da imitação, expressam o que
aprenderam das funções e dos papeis das outras pessoas na escola. Segundo
Vygotsky (1999) é através da imitação do que as crianças vão observando do
outro, que estas vão muito além das suas próprias capacidades, quando elas se
encontram numa atividade coletiva, ou sob a orientação de um adulto.
Cada atitude
da criança, por exemplo, revela o que ela percebeu do seu ambiente. Mesmo
quando ela imita um amigo, um adulto, na verdade, não é uma mera imitação, uma
cópia, mas o que ela aprendeu do que ela viu e quis também fazer e se olharmos
bem, veremos que mesmo essa imitação conserva um jeito de ser que faz parte da
personalidade dela, que o outro – o imitado, não tem. Portanto a imitação não é
uma mera cópia, mas sim uma forma de apropriar-se do que é do outro e tornar
isso seu.
Para Vygotsky
a imitação é uma reconstrução individual do que observamos nos outros e que
abre a possibilidade para criar algo novo a partir do que observamos. Não é
algo mecânico, mas uma oportunidade para a criança de tentar realizar até
mesmo, coisas acima das suas capacidades, contribuindo para o seu
desenvolvimento. Mas só é possível para esta, imitar o que está dentro do nível
de desenvolvimento proximal.
Freinet
denomina por jogo – trabalho a brincadeira vivenciada pelas crianças. Para ele,
ao brincar, elas estão “seriamente” agindo sobre sua própria realidade.
As
crianças que não podem entregar-se ao jogo- trabalho, que não podem construir
de verdade, nem ceifar um verdadeiro trigo, nem pastorear um rebanho vivo... em
todos os tempos e lugares, procuram instintivamente, e acham, atividades que,
na origem, possuem os elementos essenciais desses trabalhos específicos, mas
que são como um maravilhoso plágio deles, adaptado as suas necessidades, a seu
espírito, a seu ritmo de vida. E o plágio é tão bem feito, e em geral tão
complexo, que nós já nem reconhecemos a imagem de nossa própria atividade e
denominamos este impressionante êxito: um jogo! (FREINET 1998, p. 209)
Pela
brincadeira as crianças entram em contato com os quatro elementos:
A terra,
A
areia é movediça e instável, maleável e misteriosa. Obedece à mão que a domina,
cobre todos os sulcos ou se levanta como uma montanha, invade como uma multidão
viva o buraco que acaba de cavar, se espalha, voa e cintila. Com a areia, são
satisfeitas todas as tendências infantis essenciais: sentimento de potência em
primeiro lugar, de impaciência na espera de um resultado que se queria que
seguisse imediatamente a ação; vida e dinamismo, e mistério. Quando a criança
cobre a perna com areia quente, é como que um suave invólucro que a acaricia,
mas, quando enfia o braço até o ombro nessa massa movediça, isso lhe provoca
uma espécie de frêmito, como se um animal insinuante lhe estreitasse o corpo. (Idem
e Ibidem, p. 197 - 198)
A água ,
Ela é clara e
transparente... borbulha docemente; e, sobretudo, é tão dócil, tão maleável,
tão obediente, sem deixar entretanto de ser ativa e instável. Ao seu contato,
temos a impressão de ser, por uns instantes, senhores absolutos dessa forma
caprichosa, cuja dominação exalta nosso sentimento de potência; pegamo-la na
mão, que ela acaricia com o seu frescor para nos escapulir entre os dedos
nervosamente cerrados; esborrifa se a batemos; nós a guiamos com facilidade,
... mas ela nos escapa tão furtivamente como um peixe buliçoso... (Idem e Ibidem, p. 197)
O
fogo,
O fogo como a água
obedecem ao seu controle e vontade... A criança produz fogo, magia da potência!
Risca um fósforo e acontece o mais maravilhoso efeito para uma criança: do
nada, por seu gesto e por sua habilidade, como por um toque de varinha de
condão, nasce uma chama. (Idem e Ibidem, p. 200)
E
também o ar. Quando brincavam com o barro, com a argila, quando iam ao tanque
de areia, brincavam com as pedras, com as plantas, com a grama, subiam em
árvores, soltavam barquinhos e outros objetos na água, faziam uma sopa de
papel, ou escorregavam com o chão molhado, com o papelão na grama, quando soltavam
balões, bolinhas de sabão, aviões… estavam dominando estes quatro elementos. As
crianças sempre demonstravam encantamento e grande êxtase ao lidar com aterra,
a água, o ar e o fogo
Não é de surpreender,
portanto, que a criança prefira trabalhar na água ou na areia a se entregar a
áridas tarefas passivas, sem vigor e sem vida, sem profundidade nem mistério,
que ela raramente pode dominar,
diante das quais se sente fraca... o indivíduo não pode viver com o sentimento
de impotência: jamais se acomoda à derrota. Precisa vencer e triunfar... (FREINET 1998: 198)
Nessas
brincadeiras sentiam com o corpo o que era áspero ou o que era liso,
escorregadio, as diferentes texturas. Viam o que era maleável – “Eca
que molenga” (o barro), ou “O papel molhou. Ah água fez furinho no
papel. Tem que fazer um barco de plástico. Ih, rasgou! Vamos fazer uma sopa de
papel”. Provam o que é elástico ou móvel. Aprendiam noções espaciais
como cima, alto, baixo, trás, frente - “eu vou esconder atrás da caixa”.
Seco, molhado, grande, pequeno, equilíbrio, diferentes temperaturas - “Quem
quer meu bolo?” (de areia) ih, queimou, tá quente! Passa pomadinha”….. Observavam
o que afunda mais rápido na água “Ah, o barquinho afundou. Entrou água nele e
ele afundou. Esse não! Vamos por água nele pra ele afundar também?”Aprendiam
o que cai mais devagar no chão, a controlar sua força e usá-la para balançar,
soprar, sugar, empurrar, descer, subir - “Empurra mais forte? Ó, eu tô altona!”Aprendiam
a ouvir e fazer, olhar e identificar características e separar por meio do que
ouviram, viram, sentiram...
A
música também era uma brincadeira gostosa quando as crianças transformavam-se
em cavaleiros para salvar suas Margaridas, quando a “Rosa Juvenil” recebiam o
beijo do lindo rei, quando a “Dona Aranha” subia pela parede, ou “os peixinhos”
ficavam presos no mar… Ao brincar cantando, ou cantar brincando, era agradável
ficar na escola e deixar o espaço da sua casa para aprender a dividir com os amigos o espaço, o tempo, os
objetos, a diversão e a atenção. As
crianças também ampliaram o seu vocabulário, brincaram com a rima e jogaram com
as palavras “Olha um
sapo dentro de um saco. Um saco com um sapo dentro. Um sapo batendo papo e o
papo do sapo soltando vento.” (Trava
línguas popular).
Ao
mesmo tempo
do mesmo modo que a
primeira forma de expressão dos primitivos foi o ritmo e a dança a primeira
expressão infantil, aquela pela qual a criança, que ainda não sabe falar,
comunica-se com os que o cercam é a expressão gestual. Todavia, cada uma das
nossas crianças possui seu ritmo de vida própria, seu ritmo natural, com o qual
vai na direção do mundo. Este ritmo, nós o reencontramos em cada um dos seus
gestos, em cada uma de suas obras, em sua maneira de falar assim como em seus
jogos. (PORQUET, 1964, p. 93)
Com
as crianças, as caixas viram carros, armários e muros. Com as roupas eles viram
heróis, princesas, reis, mamães, bebês, pais, médicos, flor, cachorrinhos,
leões e outros bichos. Panos viram cabanas e casas.
Vygotsky
(1991) mostra-nos que nas brincadeiras, as crianças em idade pré- escolar,
conseguem separar o objeto de seu significado. Ela vê um objeto, mas age de
maneira diferente em relação àquilo que ela vê e o objeto em si, perde a sua
força determinadora. Um balanço não serve só para balançar, mas pode virar um
cavalo. Aqui a criança dirige seu comportamento não só pela balança, mas pelo
significado da situação, e suas ações surgem do seu imaginário, de suas idéias
e não do objeto em si. Com
isso o brincar muda a estrutura de sua percepção da realidade, pois ela
consegue separar significado e objeto que permitirá mais tarde que ela
generalize um significado para outros objetos e consiga agir de acordo com essa
generalização. “Dessa
forma, através do brinquedo, a criança atinge uma definição funcional de
conceitos ou de objetos, e as palavras passam a se tornar parte de algo
concreto” (Idem
e Ibidem, pg. 113)
Esse
é o meu castelo. (espaço embaixo do escorregador) Eu
sou a princesa Aurora. Você é a Cinderela. Al (4anos)
Eu
sou a Branca de Neve. Bia (4anos). E quem vai ser a bruxa? Ah, faz de conta que a
bruxa é esse aqui. (poste perto do parque). Esconde aqui!!! Ai, vai pegar a
gente!
Olha
a vassoura dela ali! Al aponta uma vassoura encostada
próxima à parede do banheiro.
Al
e Bia mostram como as crianças vivem em castelos mal assombrados com bruxas,
com jacarés em volta.
Estes castelos prendem várias princesas e margaridas, porque
no mundo deles, existem muitas Brancas de Neve, muitos Lobos Maus e todos podem
ser princesas e príncipes.
Várias
vezes as crianças transformam-se na Chapeuzinho Vermelho e ao caminhar no que
eles chamam de floresta, (o jardim plantado pelo seu Zé) com o Lobo Mau,
normalmente representado pela professora. As crianças gritam em coro:
“-
Tá pronto seu lobo?”
“- Não!!!”
responde a professora com voz grossa.
Os
objetos que as crianças utilizam para brincar não são determinantes da
qualidade da brincadeira, ou do prazer que elas estão sentindo ao brincar. As
crianças são simples e para elas outros objetos podem virar “brinquedo”, quando
querem brincar.
como é
possível, numa época em que as lojas transbordam de brinquedos, um mais
engenhoso do que o outro e, aparentemente, em nossa opinião, tão interessantes
para os nossos filhos, vermos as crianças abandonarem essas novidades, assim
que estão livres, para se entregarem àqueles mesmos jogos que nos apaixonaram
no tempo em que ainda não grassava essa superabundância mercantil? Porque todos
os educadores ...fracassam em sua preocupação de renovar jogos, impotentes que
são para abalar a atração soberana dos
jogos tradicionais? (FRÉINET 1998, p.
214)
Ariès, 1985, ainda sugere que as
crianças são conservadoras quanto à escolha de seus brinquedos, apesar da
grande variedade disponível nas lojas. Gostam de cavalos de pau, de cataventos,
de arcos, os mesmo brinquedos presentes na idade média.
Mas, enquanto os
moinhos de vento há muito desapareceram de nossos campos, os cataventos
continuam a ser vendidos nas lojas de brinquedos nos quiosques dos jardins
públicos ou nas feiras. As crianças constituem as sociedades humanas mais
conservadoras. (ARIÈS, 1985).
O brincar é decisivo na formação do ser humano
e as crianças se integram no meio social e aprendem a se relacionar, a
emprestar, a esperar a vez, aprendem as primeiras regras e a distribuir papéis - “eu sou a bruxa malvada que vai prender
você no castelo. Você é a princesa e fica aqui atrás do muro” - e
estruturam sua capacidade de julgar situações. Por exemplo:
As crianças
estavam no banheiro lavando as mãos e o rosto, depois do parque, para ir para a
sala trocar os que necessitavam ser trocados, a fim de fazer a roda e ir
embora.
Ia., El., Al.
Ba. e An estão no banheiro lavando as mãos.
Ia. pega a
bucha e começa a lavar a pia e a parede em frente. As outras
crianças vêm o seu gesto e imitam também.
Eu
sou a Dona Rosa. Eu vou lavar o banheiro que `tá sujo. Diz Ia. Rindo.
Os outros
acham engraçado e resolvem participar da brincadeira brincando também de “Dona
Rosa”, brincadeira que ganhou esse nome e passou a ser repetida muitas vezes
por eles.
Eu
vou limpar tudinho essa sujeirinha pra turma usar o banheiro. El.
Não
molha o chão crianças, porque a dona Ro. ´tá limpando o banheiro e vai estragar
o trabalho dela. Diz Ba. Imitando a professora.
Apesar de nos primeiros anos de vida as
crianças estarem mais envolvidas com as situações lúdicas, as regras estão
implícitas nessas situações. Fontana, 1997 comenta que segundo Vygotsky, nos
jogos imaginários há regras e que nos jogos de regras há também situações
imaginárias. A princípio a situação imaginária durante a brincadeira é clara e
as regras são implícitas. Conforme as crianças vão brincando, vão tornando-se
conscientes da existência das regras nas brincadeiras e as regras vão
tornando-se claras e a situação imaginária implícita.
No Maternal, percebo que a situação lúdica é
clara para eles e que as regras estão implícitas ali no jogo, mas que isso não
é tão consciente para eles. As crianças sabem que numa brincadeira de Lobo Mau,
a Chapeuzinho primeiro vai até a mamãe pegar os doce, ouvir os conselhos,
depois sai pela estrada, muda de caminho... Ou seja, quando observo a turma
brincando de Lobo Mau, vejo toda uma sequência que se segue como regra
obrigatória da brincadeira, mas o mais importante é o Lobo que é mau, a
Chapeuzinho indefesa...
Ainda quando estavam participando dos jogos de
regra, como um jogo da memória dos bichos da sala, percebi que logo as crianças
começavam a espalhar as peças no chão e a dizer que tinha um leão correndo
atrás deles, como se os bichos das peças saltassem e fossem pegá-los. Ou ainda,
via uma criança no canto pegando os pares do jogo, um macho e uma fêmea e
brincando de mamãe e papai.
Nas
brincadeiras as crianças aprendem a conviver socialmente, a repartir, a se
divertir, aprendem conceitos, a usar seu corpo, a fantasiar, a imitar o que
vêm, a construir objetos para usar nas brincadeiras, aprendem novas palavras, a
compartilhar com o outro e a ouvir do outras novas idéias. A brincadeira é uma forma
de a criança explorar o mundo e explorar as suas possibilidades nesse mundo,
com o auxílio, ou o prazer da companhia e da troca com outros seres
humanos.
Durante o tempo que permaneci observando as crianças brincando no parque, também pude acompanhar e participar de brincadeiras realizadas com as crianças, através da mediação de um adulto. Nessa observação assisti o desenvolvimento de aspectos cognitivos, motores, sociais, afetivos através dos jogos, de maneira espontânea e implícita. As crianças divertiam-se e ao mesmo tempo desenvolviam-se, sob o olhar atento e consciente das professoras, que nas brincadeiras também eram participantes desse aprendizado e não meras instrutoras, que fazem uso da brincadeira como mais uma técnica para atingir objetivos propostos. O brincar junto com os professores reforçava os laços afetivos com os mesmos, esclarecia regras, às vezes perdidas pelo grupo, tornando-se grande fonte de aprendizado. Muitas vezes ouvia as crianças dizendo: “Minha mãe disse que brincava assim”, o que enriquecia a brincadeira, mostrando que uma mesma brincadeira poderia ter uma regra um pouco diferente, dependendo da região em que cada um nasceu e aprendeu a brincar. Ou ainda ouvia “E se a gente fizer assim? Não fica legal?” o que criava novas possibilidades para o mesmo jogo, de acordo com as necessidades e gostos das crianças. Como diria Vygotsky, 1998, “...nas formas superiores do comportamento humano, o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como parte do processo de resposta à ela.”
A criança tem necessidade de andar e saltar: não
a podemos condenar a ficar imóvel, porque certamente falharíamos e a
prejudicaríamos [...]. Porque a criança tem necessidade de agir, criar e
trabalhar, isto é, empregar a sua atividade numa tarefa individual ou
socialmente útil [...]. (Freinet, 1974, p. 49)
Durante o tempo que permaneci observando as crianças brincando no parque, também pude acompanhar e participar de brincadeiras realizadas com as crianças, através da mediação de um adulto. Nessa observação assisti o desenvolvimento de aspectos cognitivos, motores, sociais, afetivos através dos jogos, de maneira espontânea e implícita. As crianças divertiam-se e ao mesmo tempo desenvolviam-se, sob o olhar atento e consciente das professoras, que nas brincadeiras também eram participantes desse aprendizado e não meras instrutoras, que fazem uso da brincadeira como mais uma técnica para atingir objetivos propostos. O brincar junto com os professores reforçava os laços afetivos com os mesmos, esclarecia regras, às vezes perdidas pelo grupo, tornando-se grande fonte de aprendizado. Muitas vezes ouvia as crianças dizendo: “Minha mãe disse que brincava assim”, o que enriquecia a brincadeira, mostrando que uma mesma brincadeira poderia ter uma regra um pouco diferente, dependendo da região em que cada um nasceu e aprendeu a brincar. Ou ainda ouvia “E se a gente fizer assim? Não fica legal?” o que criava novas possibilidades para o mesmo jogo, de acordo com as necessidades e gostos das crianças. Como diria Vygotsky, 1998, “...nas formas superiores do comportamento humano, o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como parte do processo de resposta à ela.”
Qual
o papel do professor nessas brincadeiras? Segundo Munhoz Maluf, 2000 o papel é:
•Dar apoio;
•Escolher o momento certo para ajudar a criança a
se retirar da brincadeira, quando sentir que ela está insegura.
•Assegurar sempre que a criança esteja pronta para
novas experiências, deixando que ela se manifeste.
•Dar idéias: sugerir novas atividades, e estar
sempre preparado a ter idéias rejeitadas, quando as crianças ficarem
determinadas e seguirem outro rumo.
•Estimular conversas: às vezes a conversa decorre
naturalmente da brincadeira, desviando a atenção da criança do aqui e agora.
•Dar conselhos: julgar cuidadosamente quando a
criança será capaz de aprender com a experiência, ou se é melhor intervir.
•Atuar como juiz: avaliar situações intervir, para
resolver atritos ou evitá-los.
•Tomar parte na brincadeira: aceitar qualquer papel
que lhe seja atribuído.
•Ajudar uma criança em dificuldades quando alguma
tarefa está além das suas capacidades.
Ali
eram propostos novos desafios como a exploração do corpo e do espaço, aumentava-se
as informações e até o vocabulário, comunicavam-se e trabalhava-se sentimentos,
emoções e pensamentos, aprendia-se a confiança, o respeito ao outro, a si e as
regras.
Postarei nesse blog a descrição das brincadeiras
selecionadas, para melhor ilustrar o desenvolvimento que estas proporcionam às
crianças. Eram jogos de regra, alguns ainda em caráter lúdico. “jogos com regras às claras e uma
situação imaginária oculta delineia a evolução do brinquedo das crianças” (Vygotsky,
1998, p. 126)
Classifiquei
os jogos vivenciados em Jogos de Dramatização, Jogos Cognitivos, Jogos
Corporais, Brincadeiras Cantadas e Construção de Brinquedos, basta procurar na barra pesquisar desse blog, para achar cada um desse grupo de brincadeiras.
PS: COMPARTILHO MEU TRABALHO COM OBJETIVO DE TROCARMOS EXPERIÊNCIAS. NÃO USE INDEVIDAMENTE ESSAS ATIVIDADES. CASO USE PARA ALGUM TRABALHO, CITE A FONTE. DESDE JÁ, AGRADEÇO A COMPREENSÃO!
Bibliografia:
CAETANO, Aline Moelas. Práticas escolares com crianças de educação infantil
segundo a proposta Freinet - A aprendizagem de uma cultura escolar por
crianças de dois a três anos de idade. SP,Universidade Estadual de Campinas,
Faculdade de Educação, 2001.
FONTANA, Roseli. e CRUZ, Nazaré. Psicologia do Trabalho Pedagógico.
Série Educador em Construção. São Paulo , Atual, 1997.
FREINET, Célestin. Educação para o trabalho. SP, Martins Fonte, 1998, 1ª ed.
MANTOVANI, Susanna. Manual de Educação Infantil. Arte Média, Porto Alegre,
1998.
SILBERG, Jackie. 125 brincadeiras para estimular o cérebro da criança de 1 a 3
anos. SP, Ground, 1934.
SLADE, Peter. O Jogo Dramático Infantil. SP, Summus, 1978, 7. Ed.
VYGOTSKY, Liev Semiónovitch. Pensamento e Linguagem. SP, Martins Fonte,
1999, 2ª ed.
_______________. A Formação Social da Mente. SP, Martins Fonte,
1991, 4ªed.
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